sábado, 19 de setembro de 2009

Bergman

Desde que comecei a trabalhar, cerca de duas semanas atrás, eu tenho uma hora de almoço em que fico andando sem rumo pelo centro de São Paulo (trabalho a 50 metros da praça da Sé). Certo dia fui tomar um café no Pátio do Colégio, estou ensaiando comer mais rápido para subir no prédio do Banespa, já fui almoçar no Shopping Light e já visitei alguns sebos da região.

Numa tarde, em meio a um monte de livros velhos, me deparei com um chamado “Cenas de Um Casamento Sueco” de Ingmar Bergman. Há tempos que queria saber mais desse sueco aí. Cineasta, todo mundo fala bem, inclusive o Woody Allen (“That whole group of films that came out then told us that Bergman was a magical filmmaker. There had never been anything like it, this combination of intellectual artist and film technician. His technique was sensational”).

Os sete reais que gastei é um preço mais do que acessível quando se trata do roteiro escrito por alguém que dizem ter essa grandeza. Não duvido da qualidade, muito pelo contrário, as 154 paginas do livro são uma aula de como construir diálogos bem elaborados (num é fácil rapá).

A história fala de um casal, Marianne e Johan, que vive muito bem, um casal feliz e completo, até que tudo revela ser baseado em mentiras e convenções e começa a ruir. It’s quite depressing. Tanto que na contracapa, Paulo Francis faz a advertência de que este livro não é recomendado para noivos e desafia qualquer um a beijar a esposa quando chegar em casa após ler ao livro.

Este livro me veio a mão em uma época que várias coisas me estava pensar sobre relacionamentos. Sendo porque uma pessoa aí adora falar sobre a falência de casamentos (há), seja porque eu vi o “De Olhos Bem Fechados” ou por uma coluna na Folha ou Estadão que eu li, nem lembro de quem.

O livro de Bergman e o último filme do Kubrick têm temática parecida. Eles falam, segundo minha visão dos dois (coisa que abre espaço para interpretação, como toda grande obra faz), do que dá errado numa relação a dois.

Fazendo uma simplificação indevida e injusta, o “Cenas” mostra como aqueles casais que fogem de discussão e tentam parecer para o mundo e para eles mesmos que vivem numa vida perfeita acabam deixando de enxergar a graça de tudo e, mesmo o amor estando ali, isso se torna menos importante.

“Uma pessoa tem de viver pelo instinto da solidão absoluta. Nessa altura, uma pessoa deixa de lamentar-se, deixa de afligir-se. É aí que uma pessoa, de fato, passa a sentir-se bastante segura e aprende a aceitar a falta de sentido da vida com uma certa satisfação”, diz Johan para Marianne.

Tanto que Marianne e Johan acabam trocando o relacionamento sem brigas, de jantares com amigos e almoços de domingo em família, por romances tórridos, instáveis, de brigas intermináveis, agressões físicas e sexo selvagem, deixando de lado esse papo todo de amor e família.

Mas não acho que essa seria a cabeça deles para sempre. Não são personagens rasos ou coisa do tipo e lendo minha impressão é de que não é bem assim. Não no geral. Para mim o erro não é o relacionamento, mas sim a forma como se encara.

Não vou propor a formula ideal (até porque eu não tenho. Num sei nem que eu quero da vida, o doido, como poderia falar uma porra dessa?), tanto no livro como no filme fica claro que isso tudo não é fácil, mas tem lá seus jeitinhos. Tem que, pelo menos, se esforçar né.

Mas é igual ao que o rapaz disse na coluna. Tem muitos maridos e esposas que dizem que casar os fez afastar dos sonhos. É claro que filhos e família te faz rever as prioridades, mas em grande parte dos casos esses maridos e esposas têm que agradecer aos companheiros. Agradecer pois o casamento é uma excelente desculpa para não assumir que o que os afasta dos sonhos é você mesmo. Agradecer pois com o casamento você se engana e não assume seu fracasso.

Depois da última página, depois da última conversa, depois de 20 anos desde o casamento de Marianne e Johan, preso a contracapa do livro, encontrei uma carta escrita em 18 de agosto de 1985. É uma carta dedicada a uma pessoa denominada “gatinha” e foi escrita por Ricardo.

Provavelmente uma carta que foi junto com o livro, presente com ou sem ocasião, em que Ricardo diz amar a pessoa com quem ele está tendo um “caso” nos últimos dois meses. Não é das melhores cartas. Escrita em um papel de carta que nossas irmãs colecionavam quando criança e sem grande conteúdo literário, mas cria a curiosidade de pensar no que virou um relacionamento desses. Essas coisas de sobre o que é o amor ou o que você acredita que é amor (já que era amor o que o Ricardo sentia).

Uma carta escrita menos de um mês depois que eu nasci, como ela foi parar em um sebo? Será que esse “amor” era fogo de palha? Será que foram casados? Será que ela nunca viu que aquela carta estava presa na contracapa (ela estava intacta)?.

Nunca se sabe o que vai acontecer daqui pouco mais de 24 anos. Nem o que vai acontecer no sábado que vem. Sentimentos, situações e pessoas mudam então o negócio é aproveitar hoje para fazer o que se tem vontade hoje né. To sabendo que é clichê, mas como eu sempre digo (que é outro clichê), clichês assim os são por um bom motivo.

Só não se pode criar muitas expectativas, como disse minha Tia Elcira, pois isso só gera ansiedade e não ajuda muito no resultado final das coisas.